CASTRO, Manoel Henrique. História do
Serviço Social na
América Latina. São Paulo: Cortez
A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO
SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL
Elisângela da Silva*
RESUMO
O presente artigo traz uma reflexão acerca do processo
de institucionalização do Serviço Social no Brasil. Contextualizando os
elementos históricos que marcaram o início de sua profissionalização, a questão
social e a influência da Igreja Católica no seu início. Destaca os principais
movimentos que delinearam os novos caminhos do fazer Serviço Social e de
que modo ele foi institucionalizado no Brasil.
Palavras-chaves: Questão Social
– Institucionalização – Serviço Social – Estado –Profissão – Assistente Social
– Reconceituação
INTRODUÇÃO
O surgimento do Serviço Social no Brasil se deu na década de 30 do século
passado, o país registrava uma intensificação do processo de industrialização e
um avanço significativo rumo ao desenvolvimento
_____________________________
* Aluna do terceiro semestre de Serviço Social da Universidade de
Santa Cruz do Sul.
econômico,
social, político e cultural. A relação trabalho x capital tornou as relações
sociais nesse período, mais intensas e conflitantes: a exploração do trabalho
pelo capital, com todas as suas conseqüências para a vida do trabalhador.
O Serviço Social profissional teve
suas origens no contexto do desenvolvimento capitalista e do agravamento da
questão social. Nesse período foram promulgadas várias medidas de políticas
sociais, como uma forma de enfrentamento das múltiplas refrações da questão
social, ao mesmo tempo em que o Estado conseguia a adesão dos trabalhadores, da
classe média e dos grupos dominantes. O governo populista de Getúlio Vargas
adotava, ao mesmo tempo, mecanismos de centralização política administrativa,
que favoreciam o aumento da produção.
Os processos de institucionalização
do Serviço Social, como profissão, estão relacionados com os efeitos políticos,
sociais e populista do governo Vargas. A implantação dos órgãos centrais e
regionais da previdência social e a reorganização dos serviços de saúde,
educação, habitação e assistência ampliaram de modo significativo o mercado de
trabalho para os profissionais da área social. Ao mesmo tempo em que se
ampliava o mercado de trabalho, criava condições para uma expansão rápida das
Escolas de Serviço Social no país. O Serviço Social, como profissão, beneficiou-se
com esses elementos históricos conjunturais. Realizou uma transformação no
interior da profissão, ao rever o ser objeto de trabalho: questão social.
1. SURGIMENTO DO SERVIÇO
SOCIAL E O CONTEXTO HISTÓRICO
Em
meados da década de trinta surge o Serviço Social profissional, nesse período
registrava-se uma intensificação do processo de industrialização e a economia
ganhava um impulso significativo. Essas mudanças no contexto sócio-político e
econômico brasileiro tiveram início com a Revolução de 30, considerada um marco
na história contemporânea do Brasil, pois marcou a divisão de dois períodos da
nossa história: vigência do sistema agrário-comercial, ligado ao capitalismo
internacional e a do sistema urbano-industrial, direcionado para o mercado interno.
As condições de trabalho eram muito precárias e o estado de tensão era
permanente por falta de uma legislação trabalhista.
Em
relação ao contexto histórico, Vasconcelos nos traz que:
“...O contexto histórico
e político brasileiro de desenvolvimento dos serviços sociais como iniciativa
de Estado e da emergência das primeiras escolas de Serviço Social, na década de
30, foi fortemente marcado pelas abordagens e pela ação política do movimento
de higiene mental, em relação ao qual o Serviço Social católico se aliou, numa
relação de complementaridade e de demarcação de áreas de competência.”
(VASCONCELOS, 2002, p.129)
O
Estado, que até então atuava apenas como um simples regulador do livre jogo das
forças econômicas, passa, a partir da Revolução de 1930, através do governo
populista, que assume o poder após a Revolução, a reconhecer os problemas
sociais vividos no país e a enfrentar essas questões através de criações de
políticas sociais, que no Brasil, junto com o surgimento do Serviço Social
assumiram características peculiares, que vão marcar seu desenvolvimento e que
ajudam a compreender suas limitações atuais.
A
Igreja Católica, a partir da Revolução de 30, encontrou um novo espaço para a
sua intervenção, obteve vantagens nesta etapa
que resultaram numa complexa interação com o governo de Vargas.
Os resultados para a Igreja foram notáveis, alcançando conquistas
significativas. O CEAS (Centro de Estudos e Ação Social) foi considerado como o
vestíbulo da profissionalização do Serviço Social no Brasil, onde o trabalho de
organização e preparação dos leigos se apoiou na base social feminina, com
origem burguesa assistidas por Assistentes Sociais belgas, que disponibilizaram
sua experiência para possibilitar a fundação da primeira escola católica de
Serviço Social:
“A
formação das escolas, resultaram da reativação do movimento católico para renovar e reinserir a presença da Igreja
nos novos blocos de poder, mediante a preparação da sua diferenciada militância
a fim de responder adequadamente a uma estratégia de ação doutrinária exercendo
um trabalho social de evidentes efeitos políticos.” (CASTRO, 1996)
A origem da profissão no Brasil
está ligada à ação social da Igreja e à sua estratégia de adequação às mudanças
econômicas e políticas que alteravam a face do país neste período.
Consideramos que os reflexos dessa origem são perceptíveis ainda nos dias
atuais, nas metodologias aplicadas por alguns profissionais na sua prática
diária do fazer Serviço Social.
2. A QUESTÃO SOCIAL E O SERVIÇO SOCIAL
Inicialmente o Serviço Social creditava aos homens a
“culpa” pelas situações que vivenciavam, e acreditando que uma prática
doutrinária, fundamentada nos princípios cristãos, era a chave para a
“recuperação da sociedade” (FALLEIROS, 1997)
Posteriormente, o Serviço Social ultrapassa a idéia do
homem como objeto profissional. Passa-se à compreensão de que a situação deste
homem – analfabeto, pobre, desempregado, etc. – é fruto, não só de uma
incapacidade individual, mas também, de um conjunto de situações que merecem a
intervenção profissional.
Para
IAMAMOTO(2003), o objeto do Serviço
Social, no Brasil, tem, historicamente, sido delimitado em virtude das
conjunturas políticas e sócio-econômicas do país, sempre se tendo em vista as
perspectivas teóricas e ideológicas orientadoras da intervenção profissional.
Para
a Associação Brasileira de Ensino de
Serviço Social, o Assistente Social convive cotidianamente com as mais amplas
expressões da questão social, matéria prima de seu trabalho. Confronta-se com
as manifestações mais dramáticas dos processos da questão social no nível dos
indivíduos sociais, seja em sua vida individual ou coletiva (ABESS/CEDEPSS,
1996, p. 154-5).
Não contraditória
a esta concepção, temos IAMAMOTO, (2003, p. 28):
“Os assistentes sociais trabalham
com a questão social nas suas mais variadas expressões quotidianas, tais como
os indivíduos as experimentam no trabalho, na família, na área habitacional, na
saúde, na assistência social pública, etc. Questão social que sendo
desigualdade é também rebeldia, por envolver sujeitos que vivenciam as
desigualdades e a ela resistem, se opõem. É nesta tensão entre produção da
desigualdade e produção da rebeldia e da resistência, que trabalham os
assistentes sociais, situados nesse terreno movido por interesses sociais
distintos, aos quais não é possível abstrair ou deles fugir porque tecem a vida
em sociedade. [...] apreender a questão social é também captar cujas múltiplas
de pressão social, de invenção e de re-invenção da vida.”
Segundo FALEIROS,
(1997, P. 37):
“... a expressão questão social é
tomada de forma muito genérica, embora seja usada para definir uma
particularidade profissional. Se for entendida como sendo as contradições do
processo de acumulação capitalista, seria, por sua vez, contraditório colocá-la
como objeto particular de uma profissão determinada, já que se refere a
relações impossíveis de serem tratadas profissionalmente, através de
estratégias institucionais/relacionais próprias do próprio desenvolvimento das
práticas do Serviço Social. Se forem as manifestações dessas contradições o
objeto profissional, é preciso também qualificá-las para não colocar em pauta
toda a heterogeneidade de situações que, segundo Netto, caracteriza,
justamente, o Serviço Social”.
Acreditamos que a proposta de Faleiros torne mais
clara a nossa interpretação acerca da questão social. Pois qualificar a questão
social significa apreender o que compete ao Serviço Social no âmbito da questão
social. Se falarmos, por exemplo, nas expressões sociais da questão social, estaremos,
minimamente, definindo um espaço de atuação profissional.
Segundo IAMAMOTO(2003), as expressões sociais
necessitam de uma reflexão contemporânea sobre o trabalho profissional,
reflexão esta que permita identificar as expressões particulares da questão
social, assim como os processos sociais que as reproduzem.
Ao
fazermos reflexões sobre as literaturas aqui apresentadas, conseguimos entender
o significado da questão social e suas expressões e compreendemos a forma como
se deu, historicamente, o processo
de institucionalização do Serviço Social
no Brasil que, aqui, está profundamente arraigado na questão social.
3. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO
SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL
A questão social foi enfrentada
inicialmente pela sociedade brasileira através da Igreja Católica e dos setores
mais abastados da burguesia, repassando ideologicamente para os leigos,
principalmente para a parcela feminina, a ideologia dos serviços assistenciais,
como missão, tendo estes um cariz de benevolência social. Com o agravamento da
questão social, a classe trabalhadora insatisfeita com os serviços prestados
pela Igreja, reivindicava, através de movimentos sociais, políticas que
respondessem aos problemas de forma mais ampla, sendo, portanto, necessária à
intervenção estatal no intuito de conter tais movimentos.
A partir da década de 30, o Estado, enquanto representante dos interesses
da classe burguesa, interferiu na questão social através de seus aparelhos
coercitivos, a questão social como caso de polícia. A burguesia e o Estado ao
perceberem que tais mecanismos eram insuficientes, passaram a enfrentá-la pela
ideologia, através da criação e fundamentação de leis, serviços e políticas
sociais.
O Estado necessitava de profissionais tecnicamente qualificados para a
execução e organização dos Serviços Sociais, capazes de organizar, coordenar e
distribuir esses serviços à população. A atuação desses profissionais foi um
mecanismo de repasse da ideologia burguesa. Dessa forma ocorre a
institucionalização da profissão, inscrita na divisão sócio-técnica do
trabalho, sob forte influência do Serviço Social americano e europeu.
Com a instalação do governo ditatorial, a partir de 64, o Serviço Social
passou a implementar e legitimar as políticas sociais implantadas nesse
período. A política desenvolvimentista, estrategicamente adotada pelo governo
ditatorial, tinha por objetivo levar o desenvolvimento através de uma série de
medidas políticas, sociais e econômicas que permitissem o desenvolvimento
econômico dessas populações, os profissionais do Serviço Social eram os agentes
responsáveis por levar o desenvolvimento. Mas o referencial teórico dos
profissionais não permitia uma leitura das problemáticas da época, passando a
buscar instrumentos para intervir nessa realidade. A categoria passou a
questionar a sua atuação, esses questionamentos foram registrados nos
documentos de Araxá, Teresópolis, Sumaré, Boa Vista e Belo Horizontes, que
foram formulados a partir dos congressos realizados pela categoria na década de
70 e 80, período da efervescência política pela qual o Brasil passava:
“Na década de 70, com a mobilização
popular contra a ditadura militar, o Serviço Social revê seu objeto, e o define
como a transformação social. Apesar do objeto equivocado, afinal a
transformação social não se constitui em tarefa de nenhum profissional – é uma
função de partidos políticos; o que este objeto, efetivamente, representou foi
a busca, por assistentes sociais, de um vínculo orgânico com as classes
subalternizadas e exploradas pelo capital. E é esta postura política que tem
marcado os debates do Serviço Social até os dias atuais. (IAMAMOTO, 2003)”
O Movimento de Reconceituação, num primeiro momento optou por numa linha
claramente desenvolvimentista e posteriormente crescendo a influência de uma
tendência mais crítica - da teoria social crítica. Em 1964, o Brasil
rapidamente entra na ditadura militar e, conseqüentemente, o rumo do Serviço
Social neste período em nosso país irá se diferenciar muito do rumo do Serviço
Social latino-americano. A linguagem era diferente, as temáticas eram
diferentes. O Movimento de Reconceituação foi de fato uma unidade de
diferenças, em função das particularidades dos contextos nacionais. O Serviço
Social brasileiro caminhou numa linha mais tecnocrática, que podemos observar
no Documento de Araxá (1967) e no Documento de Teresópolis (1970). Melhor
dizendo, preocupação com o processo de desenvolvimento e a ratificação do
modelo econômico implantada no pós-64, acabam influenciando numa linha mais
tecnicista, na preocupação com as técnicas, com o planejamento, com o
instrumental da profissão. O Serviço Social brasileiro sofre um processo de
consolidação acadêmica: cresce o mercado editorial, cresce a pós-graduação, o
mestrado, o doutorado; movimento esse, acadêmico, que não foi acompanhado pelos
países de língua espanhola no mesmo ápice de tempo. O desdobramento disso é o
seguinte: o Serviço Social brasileiro se consolida. Passa a ter, depois dos
anos 80, com a abertura democrática, uma produção muito mais madura
academicamente e politicamente do que nos outros países. Tem-se todo o processo
de renovação do Serviço Social brasileiro e uma preocupação muito interessante
numa linha de reconhecimento de fazer a diferença entre a militância e a
profissão, que são dimensões correlatas, mas são dimensões distintas, e o
Serviço Social brasileiro chega nos anos 90/2000 com o papel de efetiva
liderança no Serviço Social latino-americano. O movimento, que num primeiro
momento da Reconceituação, encontrou nos países de língua espanhola um tom
crítico do Serviço Social latino-americano, tem nos anos 80/90 o seu papel
invertido, onde o Brasil passa a dar o tom mais acadêmico-crítico da leitura do
Serviço Social latino-americano. (IAMAMOTO, 2001)
Acreditamos que, muito do que foi discutido nos congressos que geraram
esses importantes documentos que reconceituaram a categoria, contribuiu para os
avanços no campo de atuação profissional e da forma de fazer a profissão, porém
ainda há muito que se avançar, se questionar. Não há teoria que responda todos
os problemas. Ater-se a uma única matriz teórica não permite um avanço, é necessário buscar a pluralidade teórica que
dê conta dos vários problemas sociais da soc
iedade contemporânea.
4. CONCLUSÃO
Ao término desse artigo,
consideramos alguns aspectos importantes no processo de institucionalização da
profissão no Brasil ao estudarmos suas origens históricas e o contexto
histórico, social, político e econômico da sociedade brasileira, em que o
Serviço Social esteve inserido. Enfatizando-se a análise de várias
configurações da questão social no Brasil. Num processo de avanços e recuos,
que acompanhou o movimento dinâmico da história e enfrentando diversos
desafios, essa profissão se institucionalizou no Brasil, renovou-se, acumulou
experiências profissionais, desenvolveu-se na teoria e na prática, laicizou-se
e atualmente apresenta-se como uma profissão reconhecida e legitimada.
Acreditamos que a construção do processo de trabalho
dos Assistentes Sociais tem a ver com as questões da construção de si próprio,
enquanto “ser humano”, “ser social”, que interage transformando e sendo
transformado.
Concluímos este artigo questionando o fazer Serviço Social, as suas
possibilidades, frente aos novos desafios do mundo contemporâneo. De que forma
esses novos desafios estão repercutindo na profissão? Estará a nova geração de
Assistentes Sociais preparada para o campo de trabalho do século XXI e quais são as perspectivas para novos campos
de trabalho e as formas de intervenção social frente às novas expressões da
questão social?
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
1. SOUZA,
Maria Luiza Serviço Social e Instituição:
a questão da participação. 5. ed. São Paulo: Cortez, 1995
2. VASCONCELOS,
Eduardo Mourão (org.). Saúde Mental e
Serviço Social: o desafio da subjetividade e da interdisciplinaridade. 2.
ed. São Paulo: Cortez, 2002
, 1996
3. IAMAMOTO,
Marilda V. O Serviço Social na
Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 6. ed. São Paulo:
Cortez, 2003.
4.
IAMAMOTO, Marilda V. Boletim PROEALC, LINKS. visitado
em junho de 2005