Perguntando a mim mesmo se não enlouquecera, encontrava a consciência vigilante,
esclarecendo-me que continuava a ser eu mesmo, com o sentimento e a
cultura colhidos na experiência material. Persistiam as necessidades
fisiológicas, sem modificação. Castigava-me a fome todas as fibras, e, nada
obstante, o abatimento progressivo não me fazia cair definitivamente em
absoluta exaustão.
De quando em quando, deparavam-se-me verduras que
me pareciam agrestes, em torno de humildes filetes d'água a que me atirava
sequioso. Devorava as folhas desconhecidas, colava os lábios à nascente
turva, enquanto mo permitiam as forças irresistíveis, a impelirem-me para a
frente. Muita vez suguei a lama da estrada, recordei o antigo pão de cada dia,
vertendo copioso pranto.
Não raro, era imprescindível ocultar-me das
enormes manadas de seres animalescos, que passavam em bando, quais
feras insaciáveis. Eram quadros de estarrecer! acentuava-se o desalento. Foi
quando comecei a recordar que deveria existir um Autor da Vida, fosse onde
fosse. Essa idéia confortou-me. Eu, que detestara as religiões no mundo,
experimentava agora a necessidade de conforto místico. Médico
extremamente arraigado ao negativismo da minha geração, impunha-se-me
atitude renovadora.
Tornava-se imprescindível confessar a falência do amor próprio,
a que me consagrara orgulhoso.
E, quando as energias me faltaram de todo, quando me senti
absolutamente colado ao lodo da Terra, sem forças para reerguer-me, pedi
ao Supremo Autor da Natureza me estendesse mãos paternais, em tão
amargurosa emergência.
Quanto tempo durou a rogativa? Quantas horas consagrei à súplica,
de mãos-postas, imitando a criança aflita? Apenas sei que a chuva das
lágrimas me lavou o rosto; que todos os meus sentimentos se concentraram
na prece dolorosa.
Estaria, então, completamente esquecido? Não era, igualmente, filho de Deus, embora não cogitasse de
conhecer-lhe a atividade sublime quando engolfado nas vaidades da
experiência humana? Por que não me perdoaria o Eterno Pai, quando
providenciava ninho às aves inconscientes e protegia, bondoso, a flor tenra
dos campos agrestes?
Ah! é preciso haver sofrido muito, para entender todas as misteriosas
belezas da oração; é necessário haver conhecido o remorso, a humilhação,
a extrema desventura, para tomar com eficácia o sublime elixir de
esperança.
Foi nesse instante que as neblinas espessas se dissiparam e
alguém surgiu, emissário dos Céus. Um velhinho simpático me sorriu
paternalmente. Inclinou--se, fixou nos meus os grandes olhos lúcidos, e
falou:
- Coragem, meu filho! O Senhor não te desampara.
Amargurado pranto banhava-me a alma toda. Emocionado, quis
traduzir meu júbilo, comentar a consolação que me chegava, mas, reunindo
todas as forças que me restavam, pude apenas inquirir:
- Quem sois, generoso emissário de Deus?
O inesperado benfeitor sorriu bondoso e respondeu:
- Chama-me Clarêncio, sou apenas teu irmão.
E, percebendo o meu esgotamento, acrescentou:
- Agora, permanece calmo e silencioso. É preciso descansar para
reaver energias.
Em seguida, chamou dois companheiros que guardavam atitude de
servos desvelados e ordenou:
- Prestemos ao nosso amigo os socorros de emergência.
Alvo lençol foi estendido ali mesmo, à guisa de maca improvisada,
aprestando-se ambos os cooperadores a transportarem-me, generosamente.
Quando me alçavam, cuidadosos, Clarêncio meditou um instante e esclareceu, como quem recorda inadiável obrigação: - Vamos sem demora. Preciso atingir "Nosso Lar" com a presteza possível.
Quando me alçavam, cuidadosos, Clarêncio meditou um instante e esclareceu, como quem recorda inadiável obrigação: - Vamos sem demora. Preciso atingir "Nosso Lar" com a presteza possível.
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