Apertei o braço do enfermeiro amigo, e, compreendendo ele que
minhas perguntas não se fariam esperar, esclareceu em voz baixa, que mais
se assemelhava a leve sopro:
- Conserve-se tranqüilo. Todas as residências e instituições de "Nosso
Lar" estão orando com o Governador, através da audição e visão a distância.
Louvemos o Coração Invisível do Céu.
Mal terminara a explicação, as setenta e duas figuras começaram a
cantar harmonioso hino, repleto de indefinível beleza. A fisionomia de
Clarêncio, no círculo dos veneráveis companheiros, figurou-se-me tocada de
mais intensa luz. O cântico celeste constituía-se de notas angelicais, de
sublimado reconhecimento.
Pairavam no recinto misteriosas vibrações de
paz e de alegria e, quando as notas argentinas fizeram delicioso stacato,
desenhou-se ao longe, em plano elevado, um coração maravilhosamente
azul, com estrias douradas. Cariciosa música, em seguida, respondia aos louvores, procedente talvez de esferas
distantes. Foi aí que abundante chuva de flores azuis se derramou sobre
nós; mas, se fixávamos os miosótis celestiais, não conseguíamos detê-los
nas mãos.
As corolas minúsculas desfaziam-se de leve, ao tocar-nos a
fronte, experimentando eu, por minha vez, singular renovação de energias
ao contacto das pétalas fluídicas que me balsamizavam o coração.
Terminada a sublime oração, regressei ao aposento de enfermo,
amparado pelo amigo que me atendia de perto. Entretanto, não era mais o
doente grave de horas antes.
A primeira prece coletiva, em "Nosso Lar",
operara em mim completa transformação. Conforto inesperado envolvia-me
a alma. Pela primeira vez, depois de anos consecutivos de sofrimento, o
pobre coração, saudoso e atormentado, à maneira de cálice muito tempo
vazio, enchera-se de novo das gotas generosas do licor da esperança.
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