CAPÍTULO IV - O MÉDICO ESPIRITUAL
No dia imediato, após reparador e profundo repouso, experimentei a
bênção radiosa do Sol amigo, qual suave mensagem ao coração. Claridade
reconfortante atravessava ampla janela, inundando o recinto de cariciosa
luz. Sentia-me outro. Energias novas tocavam-me o íntimo.
Tinha a
impressão de sorver a alegria da vida, a longos haustos. Na alma, apenas
um ponto sombrio - a saudade do lar, o apego à família que ficara distante.
Numerosas interrogações pairavam-me na mente, mas tão grande era a
sensação de alívio que eu sossegava o espírito, longe de qualquer
interpelação.
Quis levantar-me, gozar o espetáculo da Natureza cheia de brisas e de
luz, mas não o consegui e concluí que, sem a cooperação magnética do
enfermeiro, tornava-se-me impossível deixar o leito.
Não voltara a mim das surpresas consecutivas, quando se abriu a
porta e vi entrar Clarêncio acompanhado por simpático desconhecido.
Cumprimentaram-me, atenciosos, desejando-me paz. Meu benfeitor da
véspera indagou do meu estado geral. Acorreu o enfermeiro, prestando
informações.
Sorridente, o velhinho amigo apresentou-me o companheiro. Tratava-se,
disse, do irmão Henrique de Luna, do Serviço de Assistência Médica da
colônia espiritual. Trajado de branco, traços fisionômicos irradiando enorme
simpatia, Henrique auscultou-me demoradamente, sorriu e explicou:
- É de lamentar que tenha vindo pelo suicídio.
Enquanto Clarêncio permanecia sereno, senti que singular assomo de
revolta me borbulhava no íntimo.
Suicídio? Recordei as acusações dos seres perversos das sombras.
Não obstante o cabedal de gratidão que começava a acumular, não calei a
incriminação.
- Creio haja engano - asseverei, melindrado -, meu regresso do mundo
não teve essa causa. Lutei mais de quarenta dias, na Casa de Saúde,
tentando vencer a morte. Sofri duas operações graves, devido a oclusão
intestinal...
- Sim - esclareceu o médico, demonstrando a mesma serenidade
superior -, mas a oclusão radicava-se em causas profundas. Talvez o amigo
não tenha ponderado bastante.
O organismo espiritual apresenta em si
mesmo a história completa das ações praticadas no mundo.
E inclinando-se, atencioso, indicava determinados pontos do meu
corpo:
- Vejamos a zona intestinal - exclamou. - A oclusão derivava de
elementos cancerosos, e estes, por sua vez, de algumas leviandades do meu
estimado irmão, no campo da sífilis. A moléstia talvez não assumisse
características tão graves, se o seu procedimento mental no planeta
estivesse enquadrado nos princípios da fraternidade e da temperança.
Entretanto, seu modo especial de conviver, muita vez exasperado e sombrio,
captava destruidoras vibrações naqueles que o ouviam.
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