Em verdade, não fora um criminoso, no meu próprio
conceito. A filosofia do imediatismo, porém, absorvera-me. A
existência terrestre, que a morte transformara, não fora
assinalada de lances diferentes da craveira comum.
Filho de pais talvez excessivamente generosos, conquistara
meus títulos universitários sem maior sacrifício, compartilhara os
vícios da mocidade do meu tempo, organizara o lar, conseguira
filhos, perseguira situações estáveis que garantissem a
tranqüilidade econômica do meu grupo familiar, mas, examinando
atentamente a mim mesmo, algo me fazia experimentar a noção de
tempo perdido, com a silenciosa acusação da consciência.
Habitara a Terra, gozara-lhe os bens, colhera as bênçãos da vida,
mas não lhe retribuíra ceitil do débito enorme. Tivera pais, cuja
generosidade e sacrifícios por mim nunca avaliei; esposa e filhos
que prendera, ferozmente, nas teias rijas do egoísmo destruidor.
Possuíra um lar que fechei a todos os que palmilhavam o deserto
da angústia. Deliciara-me com os júbilos da família, esquecido de
estender essa benção divina à imensa família humana, surdo a
comezinhos deveres de fraternidade.
Enfim, como a flor de estufa, não suportava agora o clima
das realidades eternas. Não desenvolvera os germes divinos que
o Senhor da Vida colocara em minh'alma. Sufocara-os,
criminosamente, no desejo incontido de bem estar. Não adestrara
órgãos para a vida nova. Era justo, pois, que aí despertasse à
maneira de aleijado que, restituído ao rio infinito da eternidade,
não pudesse acompanhar senão compulsoriamente a carreira incessante das águas; ou
como mendigo infeliz, que, exausto em pleno deserto, perambula à mercê de
impetuosos tufões.
Oh! amigos da Terra! quantos de vós podereis evitar o
caminho da amargura com o preparo dos campos interiores do
coração? Acendei vossas luzes antes de atravessar a grande
sombra. Buscai a verdade, antes que a verdade vos surpreenda.
Suai agora para não chorardes depois.
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