18.2.15

DIVERGENTE - CAPÍTULO I

Há um único espelho em minha casa. Ele fica atrás de um painel corrediço no corredor do andar de cima. Nossa facção permite que eu fique diante dele no segundo dia do mês, a cada três meses: no dia em que minha mãe corta o meu cabelo.
Eu me sento em um banco e minha mãe fica em pé atrás de mim com a tesoura, aparando. Os fios caem no chão, formando um anel loiro e maçante.
Ao terminar, ela afasta os cabelos do meu rosto e os amarra em um nó. Eu reparo em como ela parece calma, e em como ela está concentrada. Ela tem muita experiência na arte de perder-se em pensamentos. Não posso dizer o mesmo de mim.
Eu espio minha imagem no espelho quando ela não está prestando atenção – não por vaidade, mas por curiosidade. Um rosto pode mudar muito em três meses. No meu reflexo, vejo um rosto estreito, olhos grandes e redondos, e um nariz longo e delgado – ainda pareço uma menina pequena, apesar de ter completado dezesseis anos em algum momento dos últimos meses. As outras facções celebram aniversários, mas nós não. Seria um ato de autocomplacência.
— Pronto — ela diz, ao prender o nó com um grampo.
Seus olhos surpreendem os meus no espelho. É tarde demais para desviar o olhar, mas ao invés de me censurar, ela sorri, encarando o nosso reflexo. Eu franzo levemente minhas sobrancelhas. Por que ela não me repreendeu?
— Hoje é o dia, afinal — ela diz.
— Sim — eu respondo.
— Você está nervosa?
Por um momento, eu encaro meus próprios olhos. Hoje é o dia do teste de aptidão que me mostrará a qual das cinco facções eu pertenço. E amanhã, na Cerimônia de Escolha, escolherei uma facção; escolherei o caminho que irei trilhar pelo resto da minha vida; escolherei se devo ficar com a minha família ou abandoná-la.
— Não — eu respondo. — Os testes não precisam mudar nossas escolhas.
— Certo — ela sorri. — Vamos tomar o café da manhã.
— Obrigada. Por cortar o meu cabelo.
Ela beija meu rosto e desliza o painel sobre o espelho. Acredito que minha mãe poderia ter sido linda em um mundo diferente. Seu corpo é magro sob o manto cinza. As maçãs de seu rosto são salientes e seus cílios são longos, e quando ela solta o cabelo à noite, ele cai ondulante sobre seus ombros. Mas, como integrante da Lealdade, ela é obrigada a esconder a sua beleza.
Andamos juntas até a cozinha. Nessas manhãs em que meu irmão prepara o café, a mão do meu pai acaricia meus cabelos enquanto ele lê o jornal, e minha mãe cantarola enquanto limpa a mesa, é que eu me sinto mais culpada por querer deixá-los.





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A REZADEIRA PT I

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