20.2.15

DIVERGENTE - CAPÍTULO I

O ônibus fede a fumaça. Cada vez que ele passa sobre um trecho irregular de asfalto, me sacode de um lado para o outro, mesmo que eu esteja me apoiando no banco para me manter parada.
Meu irmão mais velho, Taylor, está em pé no corredor, segurando a barra de metal acima de sua cabeça para manter-se firme. Não somos parecidos. Ele puxou o cabelo escuro e o nariz curvado do meu pai, e os olhos verdes e covinhas nas bochechas da minha mãe. Quando ele era mais novo, este conjunto de traços parecia estranho, mas agora lhe cai bem. Se ele não fosse um membro da Lealdade, tenho certeza de que as meninas da escola reparariam nele.
Ele também herdou o talento da minha mãe para o altruísmo. Ofereceu seu assento no ônibus sem hesitar a um rabugento membro da Franqueza.
O homem vestia um terno preto e uma gravata branca – o uniforme padrão da Franqueza. Sua facção valoriza a honestidade e enxerga a verdade em branco e preto. Por isso se vestem assim.
Os intervalos entre os prédios diminuem e as estradas ficam mais regulares à medida que nos aproximamos do centro da cidade. O edifício que um dia foi chamado de Sears Tower – e que hoje chamamos de Eixo – surge em meio à névoa, como uma pilastra escura no horizonte. O ônibus passa sob os trilhos elevados. Eu nunca entrei em um trem, embora eles nunca parem de circular e haja trilhos por toda a parte. Apenas os integrantes da Audácia andam de trem.
Há cinco anos, pedreiros voluntários da Lealdade restauraram algumas das ruas. Eles começaram os consertos pelo centro e seguiram em direção aos limites da cidade, até que seus materiais se esgotaram. As ruas da região onde eu moro ainda são rachadas e desiguais e não é seguro dirigir por elas. Mas isso não importa, porque nós não temos um carro.
A expressão de Taylor permanece tranquila enquanto o ônibus treme, balança e arranca pela estrada. Com o manto cinza dependurado em seu braço, ele segura a barra de ferro para manter o equilíbrio. Percebo pelos movimentos constantes de seus olhos que ele está observando as pessoas ao nosso redor – se esforçando para enxergar apenas elas, e não a si mesmo. A facção da Franqueza valoriza a honestidade, mas a nossa facção, a Lealdade, valoriza o altruísmo.
O ônibus para em frente à escola e eu me levanto, espremendo-me para passar entre o integrante da Franqueza e o banco da frente. Ao tropeçar sobre os sapatos do homem, me apoio na mão de Taylor. Minhas calças são longas demais e eu nunca fui muito graciosa.
O edifício dos Níveis Superiores abriga a mais antiga das três escolas da cidade: Níveis Inferiores, Níveis Medianos, e Níveis Superiores. Como todas as outras construções ao redor, ele é feito de vidro e aço. Há uma enorme escultura de metal em frente ao edifício que os integrantes da Audácia costumam escalar depois das aulas, desafiando uns aos outros a subir cada vez mais alto. No ano passado, vi uma das integrantes cair e quebrar a perna. Fui eu que corri para chamar a enfermeira.
— Testes de aptidão hoje — eu digo.
Taylor não é nem um ano mais velho que eu, então somos da mesma série.
Ele acena com a cabeça ao atravessarmos a porta de entrada. Meus músculos contraem-se quando entramos no prédio. Há um clima de fome no ar, como se cada aluno de dezesseis anos estivesse tentando devorar o máximo deste dia possível. É bem provável que não caminhemos mais por estes corredores depois da Cerimônia de Escolha – depois que escolhermos nossas novas facções, elas se encarregarão de nos oferecer o resto dos nossos estudos.

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